O assunto se repete, mas
precisamos permanecer nele. O que parece
uma discussão sobre direitos dos homossexuais é na verdade debate sobre os
direitos humanos, direitos que nenhuma sociedade do mundo civilizado pode abrir
mão.
O PT e outros partidos, o governo
federal, os donos do poder, não poderiam jamais ter feito o acordo que resultou
na condução de Feliciano à presidência da Comissão dos Direitos Humanos da
Câmara Federal. Isto por ele ter posição
clara e definida de preconceito contra uma parcela da sociedade e, segundo
denúncias publicadas pela mídia, até práticas de racismo constam de sua
trajetória.
Contra fatos não há argumento.
Esta semana, o Pastor Feliciano disse que antes de sua chegada, a Comissão
estava dominada por satanás. A declaração encerra qualquer debate sobre a
possibilidade de se tolerar esse homem à frente da comissão. Apenas a título de
informação as últimas presidentas da comissão foram a deputada Manuela D´Ávila (PC
do B/RS) e Iriny Lopes (PT-ES), esta última foi também Secretária Nacional de
Políticas para as Mulheres.
A comissão em questão tem de
garantir direitos humanos e esses direitos são comumente ameaçados quando a
sociedade se mostra intolerante com os homossexuais e outros segmentos, e
também quando se mostra tolerante com o racismo, a violência contra a mulher e a
perseguição por práticas religiosas.
Aliás, aqui vale um parêntese. Uma
parcela de evangélicos (não são todos) aonde funda uma igreja luta para fechar
um terreiro de Umbanda e Candomblé, associando esta prática ao satanás ou
similar. Assim, é que em muitos lugares parte da cultura brasileira tem sido
perdida sob o pretexto de que a religião deles é melhor do que a do outro.
No esteio desse preconceito
alguns tem aproveitado para dizer que o que se quer são privilégios para gays.
Ora, e o que fazer quando se matam pessoas apenas por serem gays? Quando se
quebram lâmpadas e outros objetos na cabeça de pessoas, em plena Avenida Paulista,
apenas por que se supôs que eram gays a conversar? Não, não são privilégios o que se quer, mas medidas
específicas são necessárias para coibir que se matem gays em função de sua
orientação sexual, especificamente.
Para o argumento de que se
pretende uma ditadura gay, outra vez uma balela para enganar no curso do
debate. Ninguém deseja que todos sejam gays ou mesmo que aplaudam gays. Apenas
se exige respeito ao ser humano. Se gay ou não, isto não deveria importar.
O Feliciano, seus seguidores e defensores podem
continuar vociferando, entretanto, não podem usar o parlamento brasileiro para
fazer valer o seu preconceito e atraso. As leis são feitas para todos e todas, incluindo
pequenas parcelas da sociedade. Todos têm de entender que se nivela por cima e
não por baixo. Ainda que houvesse um único gay em nossa sociedade este teria
direito de viver normalmente, em ser
importunado e exercendo a sua cidadania
na plenitude.
Ninguém, mas ninguém mesmo tem o
direito de debater sobre a orientação sexual de outrem. Imaginem se fosse o
contrário. Uma sociedade majoritariamente de homossexuais intolerante com os heterossexuais
e tentando impedir que fossem héteros.
A distorção já começa quando uma parcela da sociedade: gays, lésbicas,
transexuais, precisam lutar pelos simples direito de serem o que são.
Que sociedade é essa onde um ser
humano não pode exercer livremente a sua forma de vida e sexualidade? Tem de
lutar pelo atendimento médico nas suas especificidades, pelo direito de deixar
os seus bens para parceiros de uma vida, tem de lutar para terem uniões estáveis,
reguladas pelo estado, como qualquer ser humano. E é esta a discussão que temos
de fazer.
Em que o outro me incomoda quando
busca os seus direitos? Por que preciso impedir que duas pessoas oficializem
uma união civil? Qual o dano que o vizinho ou a vizinha causam vivendo com seu
parceiro ou parceira? Os direitos que essas pessoas buscam são para a vida
delas e não para a minha. Eu posso, se quiser, inclusive, ter preconceito,
desde que não afete as pessoas. E isto
porque o racismo e toda a sorte de discriminação não são permitidos, por leis
vigentes em nosso país. E vamos combinar, preconceito é algo muito feio.
O Pastor Feliciano tem de deixar
a Comissão de Direitos Humanos não por que não gosta de gays. Esse peso ele
pode continuar carregando. Tem de sair por que não zela pelos direitos humanos.
Não tem imparcialidade. Não tem conhecimento de causa das lutas que são
necessárias para um estado de direito pleno para todos e todas. E não tem
sequer a compreensão do Estado Laico que somos, tanto que escalou satanás para
justificar suas sandices.
Lídia Moura