terça-feira, 2 de abril de 2013

E se fossem todos gays tentando impedir os héteros de existirem?



O assunto se repete, mas precisamos permanecer nele.  O que parece uma discussão sobre direitos dos homossexuais é na verdade debate sobre os direitos humanos, direitos que nenhuma sociedade do mundo civilizado pode abrir mão.

O PT e outros partidos, o governo federal, os donos do poder, não poderiam jamais ter feito o acordo que resultou na condução de Feliciano à presidência da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara Federal.  Isto por ele ter posição clara e definida de preconceito contra uma parcela da sociedade e, segundo denúncias publicadas pela mídia, até práticas de racismo constam de sua trajetória.

Contra fatos não há argumento. Esta semana, o Pastor Feliciano disse que antes de sua chegada, a Comissão estava dominada por satanás. A declaração encerra qualquer debate sobre a possibilidade de se tolerar esse homem à frente da comissão. Apenas a título de informação as últimas presidentas da comissão foram a deputada Manuela D´Ávila (PC do B/RS) e Iriny Lopes (PT-ES), esta última foi também Secretária Nacional de Políticas para as Mulheres.

A comissão em questão tem de garantir direitos humanos e esses direitos são comumente ameaçados quando a sociedade se mostra intolerante com os homossexuais e outros segmentos, e também quando se mostra tolerante com o racismo, a violência contra a mulher e a perseguição por práticas religiosas.

Aliás, aqui vale um parêntese. Uma parcela de evangélicos (não são todos) aonde funda uma igreja luta para fechar um terreiro de Umbanda e Candomblé, associando esta prática ao satanás ou similar. Assim, é que em muitos lugares parte da cultura brasileira tem sido perdida sob o pretexto de que a religião deles é melhor do que a do outro.

No esteio desse preconceito alguns tem aproveitado para dizer que o que se quer são privilégios para gays. Ora, e o que fazer quando se matam pessoas apenas por serem gays? Quando se quebram lâmpadas e outros objetos na cabeça de pessoas, em plena Avenida Paulista, apenas por que se supôs que eram gays a conversar?   Não, não são privilégios o que se quer, mas medidas específicas são necessárias para coibir que se matem gays em função de sua orientação sexual, especificamente.

Para o argumento de que se pretende uma ditadura gay, outra vez uma balela para enganar no curso do debate. Ninguém deseja que todos sejam gays ou mesmo que aplaudam gays. Apenas se exige respeito ao ser humano. Se gay ou não, isto não deveria importar.

 O Feliciano, seus seguidores e defensores podem continuar vociferando, entretanto, não podem usar o parlamento brasileiro para fazer valer o seu preconceito e atraso.   As leis são feitas para todos e todas, incluindo pequenas parcelas da sociedade. Todos têm de entender que se nivela por cima e não por baixo. Ainda que houvesse um único gay em nossa sociedade este teria direito de viver normalmente,  em ser importunado e exercendo a  sua cidadania na plenitude.

Ninguém, mas ninguém mesmo tem o direito de debater sobre a orientação sexual de outrem. Imaginem se fosse o contrário. Uma sociedade majoritariamente de homossexuais intolerante com os heterossexuais e tentando impedir que fossem héteros. A distorção já começa quando uma parcela da sociedade: gays, lésbicas, transexuais, precisam lutar pelos simples direito de serem o que são.

Que sociedade é essa onde um ser humano não pode exercer livremente a sua forma de vida e sexualidade? Tem de lutar pelo atendimento médico nas suas especificidades, pelo direito de deixar os seus bens para parceiros de uma vida, tem de lutar para terem uniões estáveis, reguladas pelo estado, como qualquer ser humano. E é esta a discussão que temos de fazer.

Em que o outro me incomoda quando busca os seus direitos? Por que preciso impedir que duas pessoas oficializem uma união civil? Qual o dano que o vizinho ou a vizinha causam vivendo com seu parceiro ou parceira? Os direitos que essas pessoas buscam são para a vida delas e não para a minha. Eu posso, se quiser, inclusive, ter preconceito, desde que não afete as pessoas.  E isto porque o racismo e toda a sorte de discriminação não são permitidos, por leis vigentes em nosso país. E vamos combinar, preconceito é algo muito feio.

O Pastor Feliciano tem de deixar a Comissão de Direitos Humanos não por que não gosta de gays. Esse peso ele pode continuar carregando. Tem de sair por que não zela pelos direitos humanos. Não tem imparcialidade. Não tem conhecimento de causa das lutas que são necessárias para um estado de direito pleno para todos e todas. E não tem sequer a compreensão do Estado Laico que somos, tanto que escalou satanás para justificar suas sandices.

Lídia Moura